Pacific
Sobre eu e sobre você
Durante uma viagem, é natural ver diversas pessoas saírem a registrar (em vídeos, fotografias) com suas câmeras e seus portáteis os momentos vividos, salvaguardando “os instantes” para a posteridade, guardando em imagens as lembranças dos lugares e das pessoas que conhecem para não serem traídas pela memória. Num cruzeiro rumo a Fernando de Noronha, próximo ao Réveillon de 2008/2009, no qual estava a bordo a produção do filme, algumas dessas pessoas tiveram suas filmagens emprestadas à equipe para uso em um futuro documentário sobre essas gravações. Pacific, o filme realizado a partir dessas imagens anônimas, dirigido por Marcelo Pedroso, faz a colagem a partir do olhar que esses pequenos filmes possuem indistintamente (tão diferentes, mas ao mesmo tempo tão iguais) para elaborar outro olhar através do filme que os abraça, e esse tem a visão do diretor. São pessoas estranhas umas as outras, mas que essencialmente compartilham da mesma excitação pela aventura, o mesmo desejo em conhecer lugares e pessoas – um desejo também que deve ter contagiado Pedroso, no que diz respeito a conhecer o outro para conhecer a si mesmo.
Marcelo se apropria dessas imagens captadas aleatoriamente por grupos familiares diversos para construir uma visão de mundo, buscando olhar o cotidiano a bordo de um grande cruzeiro (veja bem, com todas as altercações psicossociais que possam existir quando se mistura um contingente tão vasto de pessoas e seus “modus operandi”), no intuito de constituir uma narrativa. Mas para dar forma, corpo e roupagem a essa estrutura bastante delicada de processos cognitivos do coletivo, só mesmo deixando que a espontaneidade com que essas imagens foram captadas se perca nela mesma, se contamine de uma razão possível de ser, pois é muito certo que cada família tenha fé em sua história e sua maneira de registrar o momento, restando ao diretor apenas organizá-las, daí surge o conhecimento compartilhado para conectar experiências peculiares aos olhares que se sobrepõem a todo instante na tela (o dos personagens e o do próprio Marcelo). O que, logicamente, faz de Pacific um filme de montagem, onde a partir daí, de seu fluxo experimental de cenas, seja erigida uma narrativa externa.
Mas o que torna Pacific um filme até mesmo encantador é a impossibilidade de o diretor interferir na ação do jogo (ninguém sabia que estava “atuando” para um futuro filme a ser exibido em cinema) e como isso não o torna epicentro para pequenos filmes desfilarem suas irreverências, mas um espaço crítico onde todos podem conviver e aglomerarem-se para construírem uma história só, uma história que diz muito de nossa própria sociedade – de nossos costumes, escolhas, sonhos e ilusões.
(Pacific, Brasil, 2009) De Marcelo Pedroso.
Texto escrito em 26/04/2011 por ocasião do CineEsquemaNovo 2011.
Gostei da crítica. Mais um filme que descubro aqui.
Gosto nesse filme, particularmente, do autoretrato que eles (os próprios passageiros) fazem de uma classe social brasileira burguesa e emergente que, muitas vezes, parecem tão vazios e bobos em seu próprio mundo de maravilhas (não à-toa o destino é Fernando de Noronha). Só acho que o filme estabelece essa ideia já na sua metade, e só resta reiterar essa mesma ideia até o fim. De qualquer forma, é uma jornada interessante do ponto de vista da construção narrativa fílmica, algo que tem sido muito experimentado no cinema brasileiro recente.